Quando você estiver nos ônibus de Salvador vai entender a importância da interdição das praias para o combate à pandemia.
Imagem padrão de um ônibus em horário de pico em Salvador.
Assim como dos homicídios, Salvador não quer se livrar do COVID-19.
É preciso lembrar do dessaudoso ex-prefeito da cidade, João Henrique, quando se referia, bêbado, às forças do atraso. Ao que parece, forças ocultas guiam o governador da Bahia e o prefeito de Salvador quando o assunto é salvar o povo da pandemia.
O toque de recolher na Bahia e a interdição das praias de Salvador são um tapa na cara de seres humanos, porque mostra que o objetivo é, ao contrário do que se esperava, manter a pandemia sob controle.
Sim, porque no ano passado, bastou a redução da média móvel para que chefes do executivo baiano e soteropolitano resolvessem reabrir bares, shoppings e tudo mais que era conveniente ao mercado, essa mão invisível que não sabe aplicar vacina, só mexer com o nosso bolso.
A primeira pressão foi das marcas que patrocinam o futebol. Cheias de garantias e salvaguardas, iniciaram os campeonatos pelo Brasil pandêmico sem público. O que se viu em Salvador foram bares e postos de combustíveis lotados de torcedores que compreenderam a mensagem subliminar da autoridade: “Vamos voltar devagarzinho”. Até assassinatos relacionados ao ato de torcer tivemos nas conveniências.
Os Donos da Festa
Em outubro/20 aconteceu uma live promovida pelo Bahia Notícias com empresários do entretenimento soteropolitano. Com semblantes de velhos ranzinzas, os jovens Wagner Miau, produtor de eventos, Marcelo Britto, empresário de Léo Santana, Guto Ulm, produtor de eventos e Leo Ferreira, empresário de Bell Marques dividem a tela do computador para dizer que as festas e, principalmente, o carnaval precisavam acontecer.
Marcelo, preocupado com a distribuição de renda, diz que os trabalhadores do setor estavam chegando no limite e que precisava “criar um plano de retomada” das festas porque os trabalhadores e ele não estavam aguentando mais. Interessante ele se colocar fora da classe que trabalha. Mas não tem nada não, imbuído de seu espírito solidário, o jovem Marcelo levou Leo Santana, dois meses depois, para distribuir renda no Rio Grande do Norte.
Aí vem o dono do Camarote Skol, Guto Ulm, com toda a cadência dos ritmos baianos e diz: “abrimos os bares, restaurantes, shoppings e os números continuam estáveis, ou seja, a gente entende ter a cidade em condições sanitárias de conseguir realizar [eventos] com segurança”. Na noite deste sombrio encontro, 06 de outubro, a Bahia chegava a 7000 mortos, só pelo COVID, hoje passa de 11.000 e Ulm está vivo graças ao Deus AMBEV.
Confesso que, quando soube dessa live, minha ingênua fé me levava a acreditar que esses jovens ricos estavam reunidos para montar uma força-tarefa e salvar foliões, mas esqueci que desde o último, aliás, desde o primeiro carnaval, não se fala em outra coisa, a não ser, dinheiro.
Quanto pior, melhor o momento
Aí vem a notícia: “Em ‘pior momento’ da pandemia, Salvador volta a fechar cinemas e teatro”. A manchete refere-se a uma fala do prefeito marombado de Salvador, Bruno Geddel Vieira Reis, poucos antes dos boatos de que ele teria furado a fila da vacina.
Agora preste atenção numa coisa. Numa Escala Richter, onde mais se pega o COVID? No teatro, na praia ou nos ônibus lotados de Salvador? Paulo Colombiano revira-se no túmulo.
E numa tábua de marés do toque de recolher, em que período se tem maior nível de contaminação? Das 19h às 7h ou das 7h às 19h?
Quantas reuniões, como essa dos caciques do entretenimento, acontecerão sem tocar no assunto “Salvar vidas”, “doar vacinas”?
Quando você estiver na fila dos bancos ou nos ônibus de Salvador vai entender a importância da interdição das praias para o COVID. Quando você fizer uma ligação para um call center e ouvir a multidão de atendentes ao fundo vai entender a importância do toque de recolher das 20h às 5h. Quando você for buscar um corpo no IML Nina Rodrigues vai entender a importância do entretenimento em Salvador.
Eu não sei quantas pessoas morreram em Salvador enquanto eu escrevia esse texto, mas enquanto não tomarmos vergonha nessa cara baiana seremos brinquedos de morrer servindo à lascívia do capital.
Publicação importada do antigo blog. Publicado originalmente em 23 de fevereiro de 2021.
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