Nas últimas semanas a notícia dos cinquenta anos da cantora tem ocupado os programas e comerciais da televisão corporativa brasileira. Assim será até o dia 27 de maio de 2022 quando as viseiras se voltarão para a beira do Rio São Francisco, na cidade de Juazeiro, onde ocorrerá seu show comemorativo.
Mas antes desse grande dia é preciso conhecer um pouco mais da rainha dos altinhos nos 16 capítulos que organizamos para você. A propósito, peço licença à leitora pra informar que os escritos são longos, mas recheados de música, negando as aparências, mas sem disfarçar as evidências.
1. Segura na Mão Invisível e vai
Veveta é dessas individualidades que segura na mão do diabo pra subir, mas se tiver que descer, larga a mão até de Jesus. Sim, porque Ivete é católica, graças a Deus. Aliás, as noites dela são feito oração na catedral: não cuida do mundo um segundo sequer (Chico Buarque cabuloso). Ela não conjuga o verbo (sic) intolerância. "A gente perde muito tempo tomando conta da vida do outro e a gente esquece de tomar da nossa". Ivete Sangalo é coerente. Tolera toda "sorte" de coisas porque toma conta da sua própria vida, só. Na mesma linha que seu amigo Leo Santana que afirma que "nenhum ser humano tem obrigação de ajudar ninguém", mas isso é assunto pra daqui a pouco.
Não há dúvida que o sucesso de Ivete Sangalo está relacionado com a decadência sócio-cultural do Brasil provocada pelo transbordamento do capitalismo internacional por cá. Essa infiltração apodreceu do tecido social, como se vê, e gerou lixo que alimenta toda "sorte" de bactérias. Universal Music Group e Sony Music Group dominam a música brasileira assim como o Walmart e a Carrefour mandam no varejo, a AMBEV na cerveja e a Nestlê no chocolate. Tudo da gringa.
Isso explica a ascensão de Ivete Maria a partir da Banda E.V.A., que explorou a fugacidade de cima dos trios elétricos entretendo os negros baianos e o turista GLS contrapondo-se, com o tempo (como é missão permanente da indústria internacional do Axé Music), à música de canto coletivo e de resistência dos blocos afros e do reggae baiano. Aos poucos a Banda Eva foi deixando os compositores enraizados na cultura baiana para abraçar a música volátil, sob os domínios da então PolyGram (hoje Universal Music). Em algum momento Ivete percebeu que era a hora de preparar o salto (salve Siba!). Cantando canções como “Então não me conte seus problemas” e “Seu amor é canibal”, Ivete abandonava a Banda Eva pra vender disco sozinha. A Beer Banda já ia longe, coitada...
Mas o E.V.A. já existia desde 1977. Era um grupo de amigos do Colégio Marista que brincava de grêmio no sítio de um deles na Estrada Velha do Aeroporto (E.V.A.), como é conhecida a Avenida Eliomar Baleeiro. Se tinha uma coisa certa aos egressos do Marista, como ocorreu em 1979, era passarem no vestibular e, para não desfazerem a brincadeira e perpetuarem o encontro, criaram o bloco de carnaval Eva. A festa de lançamento dos meninos foi com a Banda Scorpius, futura Chiclete com Banana. No ano seguinte, em 1981, o Bloco Eva já sai com um trio elétrico porradão com suas caixas de som laterais pioneiras. Marista, sítio e Trio: o Eva já vem de cima.
Mas voltando a Veveta, sim, ela vendeu muito disco com o Eva, mas depois largou lá pra segurar na mão da Universal Music e ganhar dinheiro sozinha a partir de 1999. Logo no primeiro disco solo, bem na primeira faixa, aparece a canção (sic) Canibal, de sua autoria. No clipe da música (veja embaixo), Ivete morava numa ilha deserta da dor (repare bem, deserta da dor) e sonhava com um índio de lhe desse alegria. Seu sonho se realiza na pessoa de Fábio Assunção, vestido de policial que a persegue, submetendo-a a prestar uma sorridente continência, e dele Ivete ganha um beijo. Uma das cenas curiosas é a que sugere um estupro coletivo na fuga simulada de Ivete dentro da ilha, onde a produção teve o cuidado de metaforizar o cio com o canibalismo, uma obra de arte que Luís de Camões reclama o copyright para Os Lusíadas, afinal, em Ilha dos Amores, Camões já descrevia essa luxúria úmida:
Fugindo as ninfas vão por entre os ramos,
Mas, mais industriosas que ligeiras,
Pouco a pouco sorrindo, e gritos dando,
Se deixam ir dos galgos alcançando...
Ivete não fez de propósito, é artista, respondi a Camões. Isso deve ser coisa da Universal! Ela nem sabe quem é você na fila do FerryBoat.
Nessa toada, impulsionada pela maior empresa do ramo musical do planeta - a Universal Music - interessada no negócio do axé, Ivete não precisava mais ser modelo. Grava seus 3 primeiros discos seguidos entre 1999 e 2001. Estávamos no governo FHC.
Em 2002 Ivete não lança disco. Meados de 2003 apresenta seu quarto disco, o Clube Carnavalesco Inocentes em Progresso (nome curioso né? grande!). Botou a agulha na bolacha, a primeira música que sai no alto-falante (salve Chico Science!!) é a música Brasileiro de Augusto Conceição, Duller e Fábio Alcântara. Na íntegra:
Fim de semana, todo brasileiro gosta de fazer um som
Uma cerveja bem gelada
Violão de madrugada, samba e futebol
Eu trabalho o ano inteiro
De janeiro a janeiro e não me canso de plantar
Ô ô ô ô
Passa boi, passa boiada
Debruçada na janela, que vontade de cantar
Eu sou brasileiro
Índio, mulato, branco e preto
Eu vou vivendo assim
Eu sou batuqueiro (Cafuzo)
Ando de buzu precário, tão pequeno o meu salário
Na vitrine é tudo caro e assim mesmo quer sorrir
Reza pra todos os santos
São Vicente, São Jerônimo
Vai atrás de um pai-de-santo pro barraco construir
No domingo tem preguiça
Vou com fé, eu vou à missa
E na segunda ao candomblé
Ó, que linda criatura
Não entendo essa mistura, com esse tal de silicone
Ninguém sabe se é homem ou se é mulher
Doze meses de agonia
Chegou na periferia com o presente de Natal (legal)
Dou comida à molecada
Mando brincar na calçada
Tá na hora do jornal
Falta rango, falta escola
Falta tudo a toda hora
Ta na hora de mudar
Vivo com essa vida dura
São milhões de criaturas
Brasileiro sempre acha algum motivo pra comemorar.
2. Movimento Cansei
Primeiro ano de Lula na presidência do país e Ivete já reclama do governo no seu disco e com a música do zôto, mais elaborada. Mas esse cara tá inventando arte!, não. Essa música foi parar no Madison Square Garden, lá nos Estates, mas antes dela ir reclamar do governo brasileiro lá em Nova Iorque (2010), ela inflamou o Movimento Cansei (2007), também conhecido como Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros ou ainda como Fora Lula, grupo criado por Dória e liderado pelo então presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D´Urso, com instituições desde a FIESP até a associação de comerciantes do bairro de Itapoã e reunia a militância de pessoas como Ana Maria Braga, Hebe Camargo, Seu Jorge (outro que deu mole) e a retadona.
O pai do ministro Ives Gandra Filho espalhou até panfleto com seu "manifesto" que, dentre outras coisas, falava de "confiscatória carga tributária" (leia aqui). Claro que ele não tava falando em nome próprio, defendia, como defende, interesses dos outros. Esse filho de Gandra, o ministro, é aquele que elaborou a famosa reforma trabalhista há 3 anos dizendo que se não tirasse os direitos do trabalhador não haveria retomada dos empregos. Caô da porra, parecia que tava no governo! Hoje tem menos empregos e menos direitos para o brasileiro. Veja quantos ao seu redor estão na informalidade.
Na real, opositores inconformados com a reeleição de Lula numa vitória esmagadora, segundo a imprensa internacional, utilizaram 2 acidentes aéreos, em 2006 e 2007, para tentar desequilibrar o governo e convenceram alguns abestalhados de que o movimento era apartidário. Com algumas semanas o movimento cansou e Ivete voltou pra casa. Afinal, ela não se envolve em politicagem.
3. Ivete, Regina Duarte e Xuxa
Ivete tem muitas amigas. No movimento "apolítico" Cansei, segurou na mão de Regina Duarte, que depois se tornaria ministra da Cultura de Bolsonaro. Dirão: Que mão abençoada!
Numa sexta-feira de 2020, Ivete fez uma live no Instagram pra, como de costume, falar bobagens. No dia anterior, 07/05/2020, Regina Duarte, então ministra do governo Bolsonaro, havia falado à CNN Brasil, numa das entrevistas mais escabrosas desde Damares. Parecia que Duarte falava de dentro do Hospital Juliano Moreira. Perguntada do porque da ausência de notas do Ministério da Cultura sobre as recentes mortes de artistas pelo COVID-19, Regina largou: “Na humanidade não para de morrer gente. Por que as pessoas ainda ficam chocadas? Não quero arrastar um cemitério de mortos nas costas”. A iniquidade é longa, mas vou parar aqui mesmo. Após tanta baboseira, Regina Duarte deu xilique ao vivo e se picou (veja os últimos momentos aqui).
Pois bem. Noite seguinte, aparece nas notificações do Insta que Veveta está ao vivo!! Agora, finalmente uma declaração sobre a Cultura no Brasil de Bolsonaro. Negativo, nada. Aí entra na live sua outra amiga, a Xuxa Meneguel, aquela que disse, em plena misoginia contra Dilma Rousseff em 2016, que tava cansada se ser roubada pelo PT, isso mesmo. Entrou na live pedindo pra Ivete falar da Regina Duarte. Olhe a carinha de paisagem dela aí em cima. Nada. Ivete quebrou o pau no ouvido e meteu a língua no Zé de Ocré.
Não adiantou passar pano pra golpista lá atrás. Agora o governo devassa sua conta pra saber da grana da Lei Rouanet.
4. Cansei para novaioquinis
Como eu tava dizendo, mesmo com o Brasil de Lula destruído, de acordo com o ex-movimento Cansei, Ivete segue seu rumo brioso, pra usar Franciel, pavimentado pela Universal Music, e vai cantar "Brasileiro" para os "novaiorquinis" (não queria citar Moro na mesma frase, mas não deu). O show foi um colosso de lindo e foi mesmo, mas pra falar mal do Brasil.
A essa altura Ivete já era rica. Mesmo quando ia lutar no movimento Cansei, voltava pra descansar na Mansão dos Cardeais em Salvador onde cada apartamento custa, nos dias de hoje, R$ 8 milhões, e ela tem duas unidades conjugadas de onde gravou, em 2009, seu DVD Pode Entrar (sic).
Mas do que Ivete poderia reclamar? Até 2010 já tinha assinado, pelo menos, 15 contratos de patrocínio com empresas como TAM, Philips, AmBev e Itaú. Somente o DVD Ao Vivo no Maracanã de 2007, após 3 anos, era o mais vendido da história no Brasil, com mais de 640 000 cópias. Se juntou com Nizan Guanaes (grave esse nome) e a Panmusic numa joint venture pra que ela pudesse abrir dois dos quatro shows que Beyoncé fez no Brasil, arrematou a licitação para a organização do Carnaval de Salvador 2010, cujas cotas de patrocínio chegaram a R$ 14 milhões, além do privilégio, segundo as más línguas, de poder cobrar cachê avaliado em 1 milhão por show à época, e eu nem falei da Shell ainda. Só o ECAD pagou, entre 2005 e 2010, R$ 2 milhões a Ivete em direitos autorais e outros 500 mil para a sua Caco de Telha.
A questão de Ivete não era financeira, nunca foi. A questão é política. Ela, mesmo tendo tantos benefícios nos governos populares, acredita que sua riqueza se mantém pela livre iniciativa, pelo mercado cultural privado livre da intervenção governamental, pela mão invisível da Universal Music, da Globo, do Agro, da AmBev e da Shell, cujos altos lucros que lhe financiam só são possíveis no capitalismo selvagem combatido pelos partidos de esquerda em todo o mundo. Dinheiro não se cria, é retirado de alguém e meu dinheiro também está no bolso de Ivete, como de tantos outros ricos, pelo preço que pagamos nas coisas do mundo, como a música, o entretenimento, o feijão, a cerveja e o gás.
5. Multishow no Castelo Garcia D`ávila
O Multishow (parceiro inseparável da artista) é realmente sensacional, esse titã que só apresenta feras, como Leo Santana, aquele que foi pedir 30 mil reais ao então prefeito ACM, o neto, para reformar uma pracinha na rua onde morava no subúrbio de Salvador e chegou para a inauguração com sua nave de mais de R$ 300 mil, fez sua presepada em plena campanha de Bruno Reis à prefeitura de Salvador e depois voltou para sua mansão
(dessa vez ele não passou no Residencial Rio Vermelho pra visitar sua amiga). Leo Santana é aquele que, impedido de cantar na Bahia por causa da pandemia, foi promover aglomeração no Rio Grande do Norte. Não lembra? Aquele que anunciou show no Instagram com uma promoção: A cada 10 mil pessoas no show, ele doaria 10 cestas básicas pra comunidades carentes de Salvador e quando foi criticado largou que "nenhum ser humano tem obrigação de ajudar ninguém". Tá bom já...
Vigie. Numa dessas sacadas de mestre, o canal de entretenimento da Globo levou a moça pra cantar em cima das ossadas dos negros escravizados pelo famigerado Garcia D`ávila no seu castelo em Praia do Forte numa das suas piores apresentações, apesar de todo o esforço da produção do Prêmio Multishow 2020. Claro que ela não poderia negar essa fama. Afinal, quem passa pano pro racismo de Donara Meireles não vai se constranger em cantar no Castelo Garcia D`ávila, símbolo mais perverso do escravismo baiano. Além do mais, Veveta não se mete em politicagem..
Mas o Multishow é esse gigante do entretenimento agro da monocultura branca onde a periferia aparece com 3 objetivos: ser ridicularizada como no programa Tô de Graça, mostrar o inescrúpulo como no Vai que Cola ou de ser consumidora da música industrial enlatada como no TVZ.
6. A romantização do estupro no Forte do Mar
Ivete Sangalo, assim como o Multishow, não tem escrúpulos. Além de Canibal, aquele clássico baiano gravado na praia de Angra no Rio de Janeiro, a cantora, nos anos de 2010, tocava qualquer coisa em qualquer lugar. Uma outra obra de arte da metáfora ao estupro, a música Lobo Mal (pra quem quiser curiar a obra, clique aqui) era parte obrigatória do seu repertório, e para isso não tinha Cansei certo.
Em Lisboa, no ano de 2011, chegou a reunir 3 clássicos da pornografia infantil num pout pourri com Lobo Mal, Chupeta e Liga da Justiça. "Estou com muitas saudades de Portugal e louca pra dividir com o público essa apresentação tão especial na minha carreira", disse em entrevista à Caras. Vamos curtir mais um pouquinho da carreira de Ivete Sangalo:
Eu tô exagerando? como assim? Nada de sensura. Dá uma olhada no art. 234, inciso III do Código Penal. O que é de lamentar é que as leis antibaixaria criadas pelo Estado da Bahia e por Salvador em 2012 não abarcam conteúdos de natureza sexual infantil. Somente em 2019, ACM, o neto, sancionou a Lei n. 9.478/19 que proíbe a promoção de conteúdos nessa natureza em serviços ou eventos contratados pela municipalidade. Mas se nem as leis de 2012 são fiscalizadas ainda hoje, não espera-se resolver com a nova lei. Alem do mais, as leis não proíbem a exibição dos conteúdos, impede apenas que recebam dinheiro público. Se for patrocínio da Universal Music, Multishow, Shell, etc.. tá liberado, e a Veveta, católica como é, "reza todo dia, fera", para que o mercado continue assim, livre.
Tanto é, que essa lei de ACM, o neto, que combate os conteúdos de natureza sexual infantil, é placebo em Salvador. Com ela ou sem, esse repertório do estupro romantizado seria cantado por Ivete a transmitido ao vivo para o mundo todo de cima do Forte São Marcelo no Festival da Virada Salvador 2021 com patrocínio de R$1,5 milhão da AMBEV em plena pandemia, se os movimentos sociais não tivessem pressionado (a Globo também havia desistido de transmitir). Afinal, a prefeitura de uma cidade preta contrata dois brancos que não representam nenhum dos caracteres de Salvador (e o outro convidado, o Gustavo Lima, nem baiano é), pra tocar de costas para a cidade numa estrutura montada em cima de um patrimônio tombado pelo IPHAN deste 1938, enquanto artistas soteropolitan@s pret@s amargavam as dívidas da pandemia. A reportagem da emissora do então prefeito mostra como seria o palco e como as grandes lanchas da região poderiam curtir o show:
A caravana parou dessa vez, a contra-gosto do empresariado do entretenimento, mas depois, tudo lindo...
7. O abraço da Shell
O Brasil tem uma empresa de petróleo, a Petrobrás, maior empresa do país, entre estatais e privadas e uma das maiores do mundo. Empresa que, ao longo de sua existência, sempre fomentou as expressões culturais em cada região. Não é difícil ver em vários filmes, apresentações teatrais, discos, iniciativas ambientais, etc, a logomarca da companhia como patrocinadora.
Mas aquele Movimento Cansei de 2007, adormecido pelo fracasso, volta a partir de 2013 com outros métodos, mas com o mesmo objetivo: derrubar o governo popular. Mesmo com essa massa branca e rica organizada, Dilma Rousseff vence as eleições de 2014 com mais de 54 milhões de votos (51,64%) e, assim como o Cansei tentou se revoltar contra Lula, esse novo movimento, puxado pelo candidato derrotado Aécio Neves, desestabiliza o governo a ponto de, em 2016, a presidenta eleita sofrer impedimento. Utilizando a Petrobrás na farsa da Operação Lava Jato, cada componente do movimento golpista tinha interesses diferentes: O empresário por mais liberdade para lucrar, o mercado financeiro internacional interessado em especular com as riquezas brasileiras, os militares por poder, os parlamentares queriam "estancar a sangria", os ricos pela liberdade de expor seu racismo, homofobia e misoginia e a mídia, por fim, gozar.
Tão logo assumiu o poder, Michel Temer, entrega a Petrobras de vez ao capital especulativo. Usando a metodologia multidisciplinar da Escola de Chicago, os capitalistas logo forçam na psiquê coletiva a narrativa de que estatal é fonte de corrupção e prejuízo. Estabelecem novo modelo de formação do preço dos combustíveis baseado no Preço de Paridade de Importação e cortam o custo social (ou investimento), tornando a lucratividade da estatal ainda mais sedutora aos próprios capitalistas, futuros proprietários da empresa.
Em 2019 a Petrobras cortou 13 iniciativas de fomento cultural históricas. Na área da música, o corte afetou o Prêmio da Música Brasileira, a Casa do Choro do Rio de Janeiro e o Clube do Choro de Brasília. No cinema, a Petrobras cortou o patrocínio do Festival do Rio, da Mostra de Cinema de São Paulo, do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, do Festival de Cinema de Vitória, o Anima Mundi, da Sessão Vitrine e o CineArte, cinema de rua paulistano. Já no teatro foram afetados o Festival Porto Alegre em Cena, o Festival de Curitiba e o Teatro Poeira, no Rio.
Em suma, a Petrobrás, que investiu R$ 289 milhões em cultura no ano de 2006, destinou ao setor somente R$ 18 milhões em 2020, redução de 93,7%.
Durante palestra para o grupo Personalidades em Foco, em setembro de 2020, Roberto Castello Branco, presidente da Petrobrás à época, justificou os cortes da estatal no financiamento de projetos culturais no país. Em seu discurso, o dirigente falou em “redirecionamento dos patrocínios” e atacou algumas produções do cinema nacional.
“Além da busca contínua por redução de custos, resolvemos mudar a composição de nossos patrocínios. A Petrobrás patrocinava artistas ricos e filmes de qualidade mais do que sofrível, como ‘Bixa Travesty’, ‘Lasanha Assassina’ e outras coisas mais”, apontou o presidente da Petrobrás.
O documentário “Bixa Travesty”, criticado por Castello Branco, circulou por mostras de cinema em diversas partes do mundo e foi premiado nos festivais de Toronto, Barcelona, Brasília e Mix Brasil. A produção, dirigida por Kiko Goifman e Claudia Priscilla, é protagonizada pela cantora Linn da Quebrada.
Tudo isso sob o tosco argumento de Plano de Resiliência para, na realidade, aumentar a lucratividade da empresa, e deu certo. Em 2021 a Petrobras lucrou R$ 106,6 bilhões dos quais, como é de capital misto, a maior parte foi para o bolso do investidor privado, principalmente, gringo. Mas não foi somente o investidor da Petrobrás que ganhou. Uma das empresas que mais explora e lucra com a entrega do petróleo brasileiro pela redução da participação estatal é a Shell que atua nos maiores campos de petróleo do Brasil, Lula e Sapinhoá, no pré-sal. Enquanto lucra explorando o petróleo no Brasil, entrega ao estado muito menos do que deveria.
Mas isso começou bem antes. A Petrobrás já havia reduzido sua participação no fomento cultural do país assim como sua participação da extração e produção de petróleo. De olho nestes dois nichos, as petrolíferas internacionais, que desde 2011 pelo menos, espionava os segredos da companhia em busca, sobretudo do pré-sal, além de aumentar sua lucratividade no país, tenta uma apropriação cultural. E porque não usar o nome Sangalo, esse nome mais volúvel que ação na bolsa?
A Shell tenta se apropriar do espaço deixado pela Petrobrás na área da Cultura durante a pandemia e usa a Ivete para isso. Na boa nova trazida no site da sua empresa Raízen, a Shell usa a metade da matéria pra falar de si mesma. Naturalmente que Sangalo não viu nenhum problema em aceitar esse dinheiro que sai do pré-sal brasileiro direto para a Shell, uma petroleira internacional concorrente direta da Petrobrás, para apresentá-la ao Brasil como uma alternativa ao fomento cultural. Afinal, Veveta não se mete em politicagem.
8. O abraço da Shell 2: Nigéria
A Nigéria é um país africano tem 213 milhões de habitante, quase a mesma população do Brasil, mas num território 10 vezes menor. Tem o maior PIB da África graças à sua produção de petróleo. A Nigéria está entre os 11 maiores produtores de petróleo no mundo. Mas você sabia que a maioria da população nigeriana vive na pobreza absoluta? E sabe porque?
Desde que se tornou "independente" em 1960, a Nigéria carrega no seu solo a petroleira Shell tanto que, nas palavras de Mutiu Sunmonu, presidente da Shell na Nigéria, "a economia nigeriana não pode ser separada da Shell" (separei o exato momento de sua fala aqui). Isso significa dizer que a pobreza existente na Nigéria está ligada à exploração do petróleo pela Shell cujos lucros levam políticas sociais para o Reino Unido.
Em outras palavras, o dinheiro que Ivete recebeu da Shell e adoçou a boca de suas crianças vem desse tipo de negócio. O Debate Petroleiro já abordou esse assunto.
9. Daniel Cady nas praias do Forte
Aqui nada a dizer. Vamos pra frente.
10. O Enforcamento de Ken Saro Wiwa e o racismo ambiental
Se você tivesse tocado no Ogoni Day, seria lindo Ivete!, mas esqueci que vc não se envolve com política...
O Ogoni Day foi organizado pelo MOSOP, Movimento pela Sobrevivência do Povo Ogoni. Uma organização que representa os ogonis em sua luta por direitos humanos e ambientais na Nigéria. O movimento não-violento foi fundado pelo escritor Ken Saro-Wiwa em 1993, no tempo da ditadura do general Sani Abacha, para denunciar a poluição no delta do Níger pelas grandes companhias petrolíferas estrangeiras, especialmente a Royal Dutch Shell, transnacional acusada de poluir o ambiente e de justificar a presença dos militares na área.
O Mosop acusou o governo de adotar uma tática de "dividir para governar", estimulando conflitos entre as comunidades locais e depois enviando tropas para restaurar a ordem. Em 1994, quatro líderes comunitários foram mortos e os dirigentes do movimento, inclusive Saro-Wiwa, foram presos. A Shell era acusada de cumplicidade com o regime militar de Abacha nos enforcamentos de Saro-Wiwa e dos outros oito ativistas em 1995, que foram condenados num julgamento considerado uma farsa. Em 2009, a petrolífera Shell aceitou pagar 15,5 milhões de dólares de indenização para a tribo ogoni, mas até hoje polui o principal rio nigeriano para levar políticas ambientais para a Europa. Para mais sobre o escritor Ken Saro Wiwa baixe o livro de Elisa Dassoler (aqui). É de graça.
Essa é a Shell que está no Brasil como nome de Raízen e tenta, com a ajuda de Ivete, se apropriar da cultura abandonada pela Petrobras de fomentar a Cultura Brasileira substituindo "Pretobras" de Itamar Assumpção por "Lobo mal" de Ivete Sangalo. Olha que involução?
Mas vamos sair do Rio Niger e voltar para o Brasil, mais precisamente para o Palácio da Aclamação em Salvador, Bahia.
11. A tumescente, lúbrica e lasciva festa de Donata Meirelles
Uma das coisas mais mundialmente comentadas na ala branca e rica nos últimos anos foi sobre a VOGUE. Eu sei que ela é comentada desde 1892, quanto foi criada. Não me atrapalhe não. Eu estou falando de coisa ruim. Não adiantou, né? Deixa pra lá.
Donata Meirelles não tem história. Era vendedora na Daslu até se casar, em 2002, com Nizan Guanaes, aquele que faz campanha gratuita para o Ministro Roberto Barroso no TSE e representa o agronegócio na tentativa de aprovar o PL do Veneno (PL 6.299/02).
No dia 8 de fevereiro de 2019 a então diretora de estilo da Vogue Brasil realiza uma opulenta festa no palácio mais pomposo de Salvador, o Palácio da Aclamação. Tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia e de propriedade do Estado da
Bahia, o palácio é gerido para eventos pelas Voluntárias Sociais da Bahia, instituição de assistência social do estado que normalmente é presidida pela mulher do governador, nesse caso Aline Peixoto.
Segundo o site Michelle Marie, "foi de Aline a ideia de abrir o espaço para eventos. Uma forma de conservar o Palacete que foi residência oficial dos governadores baianos por 55 anos."
Fofocas a parte, a festa de Donata foi bunita, viu! Veja o que a Rede Bahia de ACM, o neto, escreveu sobre o evento:
Aloalobahia: A festa contou com decoração de Vic Meirelles e buffet de Edinho Engel ( Amado), Angeluci Figueiredo ( Preta ), Beto Pimentel ( Paraíso Tropical), Fabrício Lemos ( Origem e Ori) e Aldaci dos Santos ( Dadá). Um dos muitos destaques foi a harmonização dos vinhos que ficou a cargo do sommelier Manoel Beato, do Fasano São Paulo. Usando um vestido da Maison Valentino que está na capa da edição de fevereiro da Vogue, Donata mostrou mais uma vez que é global – recebeu convidados brasileiros e estrangeiros e, pelo telão, foi surpreendida com uma mensagem de parabéns do ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton. Com produção da Boutique de 3, o evento contou com shows de Orquestra Rumpilezz e de Caetano Veloso. Os convidados foram recepcionados por Donata e pelo marido dela, o publicitário baiano Nizan Guanaes, como se estivessem em Pasárgada e fossem amigos do rei, do poema de Manuel Bandeira. |
Até aqui faltou dizer o principal. A festa de 50 anos de Donata trouxe o tema colonial para o palácio do governo, com baianas ao seu redor, serviçais negros e ainda com show de Caetano Veloso. O que mais chamou a atenção foi a cadeira de Sinhá.
Claro que isso gerou revolta na cidade com manifestações logo na manhã do dia seguinte de vários artistas, entidades do movimento negro e de direitos humanos e a festa-micareta de 3 dias de gozo, foi abreviada e modificada.
Isso porque a micareta lasciva teria a primeira noite no Palácio da Aclamação, no sábado no Restaurante Amado e o encerramento no Terreiro do Gantois, domingo. Desistiram do terreiro, mas a festa, mesmo constrangida, seguiu seu curso no separatista Restaurante Amado.
Procure um(a) preto(a) nesse vídeo. Se achar, veja qual a parte dele(a) nesse latifúndio. Há, juram que Rui Costa estava lá. Eu duvido...
Eis que surge, na segunda noite da tumescência, a rainha (sic) Ivete Sangalo do alto do Restaurante Amado com Preta Gil (lugar de fala?) para cantar para a branquitude soteropolitana e prestigiar a racista Donata, mesmo tendo sido informada do que ocorreu no Palácio da Aclamação na noite anterior e pior: defendeu a Donata, coitada, porque, segundo ela, precisava "pensar no outro", no caso Ivete escolheu pensar na Donata e não nos milhões de pretos e pretas que estão vivos em Salvador e que sofrem de racismos como esse de Donata e de tantos outros desde quando acorda até a hora de dormir. Com essa manifestação "apolítica", acaba a coerência de Ivete. Acho agora que seria melhor que a católica continuasse pensando somente nela. Nos poucos momentos em que sai do muro, faz merda.
Em nota, Donata disse: "Ontem comemorei meus 50 anos em Salvador, cidade de meu marido e que tanto amo...". Pelo que dá pra perceber Donata ama seu marido...
Com o escândalo, Donata não poderia mais tem o nome associado à Vogue, e é obrigada a se demitir. Mas como Ivete poderia prever e não podia largar a mão, Donata cai pra cima e vai ser colunista da Forbes, já que, para ela, "Zona de Conforto é um séjour em Trancoso ou St. Barth". Eu já pesquisei. Séjour que dizer ficar, permanecer no sentido de estadia.
Para mais sobre o assunto indicamos a leitura do artigo Ivete Sangalo, até quando irá se apropriar e fechar os olhos? de Brenno Tardelli na Carta Capital.
12. Ivete, Fabio Vilas Boas e o COVID
Quando dois racistas brigam, ambos deveriam perder.
O dia do fã é comemorado em 17 de março. O mês de março de 2021 foi o segundo pior mês para o Brasil em mortes pelo COVID. Só no dia do fã morreram no Brasil 2.736 pessoas pelo vírus. O record brasileiro em mortes foi atingido 22 dias depois quando 4.249 pessoas morreram em 8 de abril.
Mas voltando ao dia do fã, aquele era, no momento, um recorde de mortes. Ivete, que nunca comemora o Dia da Consciência Negra, do Orgulho Gay ou Dia Internacional das Mulheres, postou uma mensagem parabenizando seus fãs.
Acontece que Fábio Vilas Boas, então secretário de saúde do estado da Bahia, completamente engajado na luta contra o avanço
da pandemia no estado cobrou maior posicionamento social da cantora naquele momento que era dramático para os baianos. Pra que? Ivete se retou e disse um bocado de coisa ao secretário.
Apesar de toda critica que fiz a Fábio em artigo para onde remeto o leitor (leia aqui), não posso lhe tirar a razão. Afinal, quantos fãs de Ivete Sangalo morreram de covid no dia do fã? Ivete não faz sequer menção à pandemia na sua mensagem, como se vivesse, e vive mesmo, numa cápsula a prova de contaminação. Sim, porque de informação ela não é privada. Sabia, como sempre soube, da gravidade da saúde coletiva na Bahia e no Brasil e de sua importância para ajudar, fosse denunciando o governo federal maior culpado do genocídio, inclusive pela Prevent Sênior e pelo boicote de vacinas, como carreando recursos pelas gigantes empresariais/televisivas por onde transita.
Nada. De relevante mesmo foi ter se juntando com a Magazine Luíza para doar mil colchões para pessoas carente que estavam com COVID em Salvador, um ano antes. Até aquele momento, ela não via necessidade de soteropolitanos carentes, aqueles que catavam seu lixo da Mansão dos Cardeais, dormirem em camas.
Naquele dia do fã, o Brasil acumulava 285.136 mortes. Hoje passa de 620 mil e sem previsão de parar, mas para Ivete Maria Sangalo isso é politicagem.
13. Universal Music Brasil: Misoginia e Poder
Ivete Sangalo não faz politicagem e por isso nunca vai comentar o afastamento de Paulo Lima, Presidente da Universal Music Brasil com quem a cantora tem o contrato musical mais valioso do país. Com Ivete, a Universal desbancou a Sony Music e se tornou a maior empresa mundial do ramo e a maior influenciadora musical do Brasil.
Na 20ª edição do Grammy Awards, a maior celebração da indústria musical do planeta ocorrida em 2019, o executivo Paulo Lima, o mizeravão da Universal Music Brasil, tinha motivos para festejar: Seus contratados Caetano Veloso, Ivete Sangalo, Tiago Iorc, Paula Fernandes e Anavitória, lideravam as indicações para prêmios na América Latina. Sandy & Júnior são outros que trouxeram muito retorno e ajudaram a solidificar a carreira de Lima, mas a casa caiu.
Segundo o inquérito criminal da qual VEJA teve acesso, o todo-poderoso Presidente da Universal Music Brasil é acusando de manter em cárcere privado sua mulher, professora e escritora Helena Tavares de Souza Lima. Isso foi em novembro de 2019. Paulo não aceitava a separação e manteve Helena presa na clínica psiquiátrica carioca Clif por 21dias. Helena foi resgatada por meio de um habeas corpus. O poder calou a mídia, os artistas da Universal Music, incluíndo a Ivete Sangalo, a até a própria Helena que foi proibida mencionar o nome de Paulo Lima e da Universal pela Justiça. A Globo até havia preparado uma reportagem em junho/2021 para tocar no Fantástico e já tinha colhido as declarações de Helena, mas foi "desistida". Questionada pela Coluna Leo Dias a emissora respondeu em nota que "A Globo só exibe reportagens quando elas estão inteiramente apuradas, como é básico no jornalismo". Um fiasco....
Com receio de descer, Ivete preferiu largar a mão de Helena e segurar na mão de Paulo. Ora, se a rainha nunca se manifestou contra a misoginia de Bolsonaro nos 3 anos em que está na presidência, imagine falar mal do seu patrão. Não querido, escrúpulos e politicagem tem limite. Mas aqui não tem caô. Tome aí a entrevista de Helena sobre o poderoso presidente da Universal Music:
14. Universal, Ivete e a "porrada no estômago" de Elza Soares
Tem uma entrevista muito interessante concedida por Elza Soares ao jornalista Pedro Alexandre Sanches e publicada na Folha de São Paulo em 1999.
Antes de passar à entrevista propriamente dita, Pedro inicia afirmando que "o processo de marginalização a que as gravadoras brasileiras submetem até os artistas mais experientes avança. Elza Soares, sambista militante na MPB desde 1960, está de volta, em disco independente autoproduzido. E enfrenta desavenças com a indústria que resiste em absorvê-la. Em 9 de junho, 5.000 cópias já prensadas de "Elza ao Vivo - Carioca da Gema" foram embargadas porque uma música, "Sá Marina", de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar, sucesso do repertório de Wilson Simonal, seria relançada, com contrato de exclusividade, pela cantora baiana Ivete Sangalo, ex-Banda Eva".
Em outras palavras, em 1999, a americana Warner Chappell mandou um fax para o empresário de Elza dizendo que a música era de exclusividade da Universal Music e de Ivete Sangalo. Ela sequer tinha lançado ainda. Segundo o empresário Edson Gomes, a Warner levou 40 dias para proibir Elza enquanto a Universal e a Ivete levaram mais de um mês para voltarem atrás, diante da pressão da imprensa:
"Em respeito à artista Elza Soares, a Universal Music e a cantora Ivete Sangalo decidiram abrir mão da exclusividade concedida pela editora Warner Chappell para que "Sá Marina" seja mantida no álbum de Elza Soares, a fim de evitar maiores danos à artista".
Já era tarde. Demorou tanto que Elza já tinha prensado mais 2 mil cópias sem a música. Que constrangimento... Para Elza Soares, isso a prejudicou muito. "Tivemos que parar com tudo. Foi uma porrada na boca do estômago". Ela se retou e não quis mais incluir a música. Mas para a Ivete de 1999, recém contratada da Universal Music, isso era nada. Respeito só pelo dinheiro. Ivete gravou sua porra assim mesmo, na cara dura, no mesmo álbum de "Canibal", o primeiro.
Como tantos sapos em sua vida, Elza Soares teve que engolir mais esse. E não foi a primeira vez que ela engoliu sapo da Universal Music. Elza lembra que foi chamada pela Universal pra gravar 2 discos dois anos antes. A empresa gravou o primeiro e depois abandonou a cantora:
"Não deram nenhuma desculpa, não fizeram nada. Rescindiram o contrato. Não estou falando que nasci na contramão, mulher, negra e pobre? Eu vivo na contramão, meu irmão. Sou brasileira".
Mas Ivete também é brasileira, qual a diferença então, além do fato de Elza, após 40 anos de carreira, nesse mesmo ano, ter sido eleita pela Rádio BBC de Londres como a cantora brasileira do milênio e aparecer na 16ª posição da lista das 100 maiores vozes da música brasileira elaborada pela revista Rolling Stone Brasil?
"Sá Marina" é uma música brasileira de um compositor brasileiro com direito comprado pelo americano, com exclusividade, para vender a quem bem entender. É a cultura brasileira na bacia das almas e atropelando a própria cultura brasileira. Veja o que acontece com Lazzo Matumbi, com Margarete Menezes, Tonho Matéria e Magary Lord, só pra citar os nossos. Quem anda em Salvador vê Aline Rosa de Volvo e Armandinho de Logan, "dá pra entender?" (salve Mundo Livre S/A). Essa é a liberdade que o capital reclama e por isso Ivete segurou na mão invisível e foi, since 1999. Quanto a Elza Soares? Morreu sem cantar Sá Marina...
Para ler a entrevista de Elza Soares a Pedro Alexandre Sanches, clique aqui.
15. Todo Mundo Vai
Fevereiro de 2020. Faltando poucos dias para a OMS declarar o COVID-19 como pandemia global, Salvador se prepara para mais um carnaval, o maior da terra e uma das maiores aglomerações do mundo. Nessa ocasião do ano, uma disputa artificial surge em torno de qual será a melhor música do carnaval de Salvador e a cidade já vinha com uma lista histórica de muito conteúdo campeão:
2014 - Lepo Lepo – Psirico
2015 - Psirico – Xenhenhém
2016 - Paredão Metralhadora - Banda Vingadora. ...
2017 - Santinha - Leo Santana. ...
2018 - Elas gostam - Psirico. ...
2019 - Abaixa que é tiro - Parangolé ...
Nessa artificialidade entram em cena as emissoras de TV e rádio que fomentam, em troca do jabá, os conteúdos que farão parte da lista de escolhas para o ouvinte/telespectador. O carnaval de 2017, por exemplo, em que ganhou a santinha de Leo Santana, não foi muito diferente dos outros, mas naquele eu resolvi escrever. Estava retado porque a música Invisível do Baiana System não foi eleita a melhor do carnaval. Sequer apareceu na lista de candidatas pra votar. De todas que eu ouvir nos circuitos oficiais, mesmo não tocando nas rádias, pra mim foi a melhor. Não vou reprosar aqui o que escrevi lá, mas quem quiser poder ler em El Cabong.
Para o ano de 2020 o repertório estava muito disputado com “Contatinho” de Leo Santana, “Ela Não Quer Guerra com Ninguém" do Parangolé, “Sacanagenzinha” do Harmonia do Samba e “Todo Mundo Vai” de Ivete Sangalo.
Enfim, no carnaval de 2020 ganhou a música que diz “Desce uma dose de beijo, Deixa minha boca molhada, O amor 'tá fazendo piseiro’, Ferve no meu fevereiro” e todo mundo foi. Dois anos depois a Bahia se tornaria o sexto estado com mais mortes pelo COVID totalizando quase 30 mil pessoas e mais de 1,5 milhão de pessoas contaminadas.
16. Falta de Conclusão
Essa história não se acaba aqui nem se encerra com Ivete Sangalo.
Ela exemplifica o caminho que muitas pessoas no Brasil tomam para tornarem-se sucesso sem, contudo, retribuir à sociedade o patamar que alcançam. Porque é dela que se extrai toda a riqueza material e imaterial em sua passagem pela terra.
Isso talvez explique o porque Ivete Sangalo não retribui à sua comunidade o seu sucesso e sim aos seus empresários. É que o valor que muitos adquirem perante a sociedade não é, muitas vezes, uma manifestação social espontânea. É antes e durante, provocado pelos interesses do capitalismo na dominação ideológica, parindo na proveta e consagrando nas mídias corporativas influenciadores que farão uma sociedade auto-algoz alinhada com os comandos da cultura de consumo de descartáveis pela fugacidade dos conteúdos produzidos. É ao capital que Ivete deve satisfação e não ao povo, consumidor de suas efemeridades.
Enquanto se troca modelos de Iphone, a cultura do Iphone permanece e, dentro desse mundo, o produto cultural não pode está em pé. É preciso, todos os dias, parir duplas sertanejas, por exemplo, para matar outras, enquanto se ganha dinheiro com todas. É como patrocinar os times do Bahia e do Vitória ao mesmo tempo.
O furação Ivete, que há cinquenta anos permanece na terra brasilis, sacode as estruturais sociais reais para criar outras, alicerçadas nas bases movediças do interesse rentista e para a sorte deste, aquela viverá muito mais.
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